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  A vida de Cabrita  
 

CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISA DE HISTÓRIA MILITAR DO EXÉRCITO
    V SEMINÁRIO DA HISTÓRIA DA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA – 8 Abr 2016
        SESQUICENTENÁRIO DA EPOPÉIA DE VILLAGRAN CABRITA
                                                                                
Concatenação das palestras proferidas no Seminário, do Gen Bda Ref Carlos Patrício FREITAS Pereira e do Cel Ref LUCIANO Rocha Silveira – PTTC do DEC.

“A história é testemunha do passado, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, anunciadora dos tempos antigos!”
Marcus Tullius Cícero - Político – Orador – Filósofo
3 Jan 106 // 7 Dez 43 aC

ORIGEM E CARREIRA MILITAR DE VILLAGRAN CABRITA – SÍNTESE
João Carlos de Villagran Cabrita nasceu em 30 de dezembro de 1820 em Montevidéu, na Província Cisplatina do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
  

João Carlos de Villagran Cabrita

 

Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

 O pai, Francisco de Paula Avelar Cabrita, era oficial do Exército Real. Cabe registrar a sua liderança no combate ocorrido em 1825, quando defendeu , com sucesso, a vila de Mercedes, na confluência do Rio Negro com o rio Uruguai.  Naquela oportunidade, a pequena guarnição comandada por Avelar Cabrita, com o apoio de um navio da esquadra imperial, repeliu o ataque de 400 homens de Frutuoso Rivera. Podemos deduzir o que este feito do pai teria provocado no imaginário do filho Villagran, então com apenas 5 anos. Cabe registrar que transcorridos 40 anos seria a vez de Cabrita repelir inimigo numericamente superior, contando com o apoio de navios da esquadra imperial. Em 1830, com a independência do Uruguai, a família Villagran Cabrita migrou para o Rio de Janeiro.

Em 1840, com 19 anos, Villagran ingressou como voluntário, no Exército Imperial, sendo declarado cadete de 1ª classe.

No ano de 1844, já 1º tenente, cumpriu missão de manutenção da ordem em Pernambuco. Retornou à capital do Império e obteve a graduação, com notas distintas, como engenheiro.

Em 1851 e 1852, no posto de capitão, serviu na missão militar brasileira na República do Paraguai, como instrutor de artilharia nas fortificações paraguaias.

Em 1855, participou da criação e dos primeiros anos de implantação do Imperial Batalhão de Engenheiros, na Fortaleza de São João e na Praia Vermelha.  

Assinatura de Villagran no Livro de Ordens do Batalhão – capitão Fiscal Administrativo         

Na época conviveu com oficiais e praças de muito valor como Portocarrero, Deodoro da Fonseca, Tibúrcio, Floriano Peixoto, Benjamin Constant, entre outros. No Batalhão de Engenheiros, Cabrita exerceu todas as funções privativas de capitão e major.

NA CAMPANHA CONTRA AGUIRRE, NO URUGUAI – SÍNTESE

Em dezembro de 1864, era instrutor da Escola Militar, na Praia Vermelha, quando se apresentou como voluntário para integrar o seu Batalhão designado para missão na Campanha contra Aguirre, no Uruguai.  Vivenciou o cerco e a capitulação, em 20 de fevereiro de 1865, da sua cidade natal, Montevidéu, pela ação conjunta da Marinha e do Exército imperiais, este sob o comando do general Mena Barreto.

Naquela oportunidade o general Flores assumiu o governo uruguaio, para logo a seguir firmar o Tratado da Tríplice Aliança, com a Argentina e o Brasil, contra o governo de Solano López que havia invadido o Mato Grosso e a Mesopotâmia Argentina, sem declaração de guerra.  
Em 1º de maio de 1865 foi acordado o plano de operações aliado contra o governo de Solano López e, logo a seguir, de 24 a 30 de junho de 1865, o tenente coronel Cabrita, como subcomandante do batalhão, tomou parte na travessia do rio Uruguai, com os 19.000 homens do Exército Imperial, agora comandado por Osório. A operação foi efetuada de Salto, República Oriental do Uruguai (ROU), para Concórdia, República Argentina (RA), numa ação conjunta com a esquadra imperial.   

EM MARCHA NA MESOPOTÂMIA PARA A FRONTEIRA PARAGUAIA

A partir de 24 de julho de 1865, Villagran Cabrita assumiu interinamente, o comando do Batalhão de Engenheiros e vivenciou as travessias do rio Mocoretá, de 27 a 29 de setembro, e do Mandisovi, em 30 daquele mês.

No dia 20 de outubro de 1865, em Mercedes, RA, Villagran foi efetivado no comando e prosseguiu apoiando o Exército de Osório na marcha para a fronteira paraguaia.    Neste mister, sua tropa reparou os precários caminhos e lançou meios flutuantes, na maioria das vezes improvisados, para      transpor, sucessivamente, o rio Corrientes, em 3 Nov 65, o Santa Lúcia, em 25 Nov 65, e o Riachuelo, de 15 a 20 Dez 65.

Travessia do rio Santa Lucia (25 de Nov 1865)

Travessia do rio Riachuelo (15 a 20 de Dez 1865)

Em 20 de dezembro de 1865, após o penoso deslocamento de 500 quilômetros, por caminhos intransitáveis e tempo inclemente, desde Salto/Concórdia, o Batalhão de Engenheiros acampou na região de Laguna Brava, 6 quilômetros à leste de Corrientes, RA. Aí permaneceu por mais de 50 dias, sob as ordens de Osório, com a missão de construir instalações para a tropa, um hospital, uma fábrica de cartuchos e cooperar na reunião de material para a transposição do rio Paraná.

Em 10 de fevereiro de 1866, Cabrita deslocou o Batalhão para a região de Talá Corá, distante 12 quilômetros, para ocupar uma zona de reunião final do material de engenharia, ZRFME, mais próxima da margem do rio Paraná.  Neste local, prosseguiu na reunião dos meios para a operação e iniciou a construção de 4 locais de embarque (trapiches) para a tropa e animais nos navios da esquadra.

A partir deste acampamento, Villagran, irmanado a José Carlos de Carvalho, chefe da Comissão de Engenheiros do General Osório, tomou parte nos reconhecimentos dos passos de Passo da Pátria, de Itapirú e de Itati, com o objetivo de colher dados sobre o terreno e assessorar o estudo de situação do comando aliado para a difícil e polêmica decisão quanto à escolha da frente de transposição/local de desembarque.

 

APOIO AO ESTUDO DE SITUAÇÃO DO COMANDO ALIADO: Mar 1866

Com base em relatos de diversos escritores, e com algum amparo na nomenclatura atual, eis a síntese:

- Missão

Numa 1ª fase: realizar uma operação anfíbia com o apoio da esquadra imperial para a conquista de uma cabeça de ponte no território paraguaio.

Numa 2ª fase: prosseguir para a conquista de Humaitá.

- Terreno    

A região de confluência dos rios Paraná e Paraguai

- Inimigo    

30.000 homens divididos em 22 regimentos de cavalaria e 48 batalhões de infantaria. 60 peças de artilharia de diversos calibres. Cerca de 20 chatas com canhões e 50 pequenas embarcações de transporte de pessoal (a armada paraguaia teve muitas perdas na batalha de Riachuelo, em 11 de junho de 1865 – 4 navios e 6 chatas afundados).

- Meios     

A superioridade em meios navais (25 vasos de guerra e 4 chatas), conquistada com a vitória em Riachuelo, com domínio assegurado da calha dos rios Paraná e Paraguai, caracterizou uma vantagem estratégica para os aliados e limitou as ações ofensivas dos paraguaios.

Da análise dos fatores inimigo e meios pode-se concluir que a superioridade dos aliados não assegurava uma vitória rápida devido à inferioridade quanto à tropa de cavalaria e a insuficiência de artilharia que não contava com material pesado para assédio de posições fortificadas.

Um terreno desconhecido para os aliados, pleno de rios, arroios, banhados, vegetação com espinhos e fortificações indicava uma guerra de trincheiras a exigir muito mais do que um único batalhão de engenheiros.

 

INDECISÃO DO COMANDO ALIADO – MAR/ABR 1866

Fundamentado em relatos de diversos historiadores, cabe sintetizar as razões do retardo na decisão do alto comando aliado, em particular quanto à frente de transposição a eleger para o desembarque da tropa.

A complexidade de uma operação conjunta dos três exércitos aliados com a esquadra brasileira para realizar a gigantesca operação de transpor o Paraná, um rio de 2.000 metros de largura, com armamentos individuais e coletivos, munição, animais, equipamentos e suprimentos para efetivo próximo de 45.000 homens era algo nunca visto na América do Sul.

Cabe acrescentar o desconhecimento das condições de navegabilidade dos rios Paraná e Paraguai, a falta de informações sobre o terreno a percorrer na 2ª margem e sobre um inimigo que conhecia em detalhes o seu território e tivera tempo para construir fortificações.

Os chefes aliados tinham conhecimento que não dispunham de superioridade numérica, de artilharia pesada e de cavalaria nas proporções aconselhadas para o acometimento de um inimigo protegido por fortificações.

Daí porque foram muito criticados pela demora, a despeito das diversas reuniões de comando e dos reconhecimentos efetuados entre fevereiro, março e abril de 1866, para permitir uma decisão adequada.

 

INDECISÃO DO COMANDO ALIADO - FEV A ABR DE 1866

25 Fev – 1ª reunião do Alto Comando, em Corrientes;

20 Mar – a esquadra de Tamandaré toma posição nas Três Bocas (confluência dos rios Paraná e Paraguai);

21 Mar – 2ª reunião , a bordo do navio capitania da esquadra;

27 Mar – 1º reconhecimento do passo de Itati;

28 Mar – instalação de bateria brasileira em Corrales para bombardear o forte de Itapirú;

29 Mar – reconhecimento noturno da Ilha da Redenção pelo Tenente Coronel Engenheiro José Carlos de Carvalho;

02 Abr – reconhecimento da região da margem oposta à foz do rio Atajo, no rio Paraguai efetuado pelo Tenente Freitas da Marinha Imperial;

05 Abr – 2º reconhecimento do passo do Itati e do passo Lengua, a montante de Itapirú.

 

DECISÃO PRELIMINAR DO COMANDO ALIADO EM 5 ABR

- Realizar uma operação anfíbia com base no apoio de transporte e de fogo da esquadra imperial;

- data/hora: a definir;

- frente de transposição/ área de desembarque da tropa: a definir;

- embarcar a tropa na véspera da transposição e

- como operação preliminar, ocupar e manter a Ilha da Redenção, com a finalidade de iludir o inimigo e reduzir a eficácia dos fogos do forte de Itapirú sobre a frente de transposição (a definir, com maior probabilidade na margem direita do rio Paraná).

O Gen Osório aceitou a brilhante ideia do Ten Cel José Carlos de Carvalho, Chefe da Comissão de Engenheiros do Exército Imperial, de ocupar a ilha e manter uma artilharia constante contra o forte.

 

A ILHA DA REDENÇÃO

Uma ilha quase circular, de 250 braças (457 metros) no seu diâmetro maior, plana, coberta de vegetação rasteira, além de muita sarça – arbusto alto com espinhos. Essa ilha desconhecida, sem nome, sem importância, tornou-se o teatro de um combate memorável.

O Exército Aliado acampado na margem esquerda do rio Paraná e o Exército Paraguaio na margem direita e frente para a ilha, o Forte Itapirú distante apenas 300 braças (548 metros) da margem norte da ilha.

 

A OCUPAÇÃO DA ILHA

5 Abr 1866

À noite desembarcou na margem sul da ilha o Ten Cel José Carlos de Carvalho Chefe da Comissão de Engenheiros, para preparar o terreno e posicionar 4 canhões calibre 12 e 4 morteiros, além das trincheiras, no mais absoluto silêncio. Acompanharam o Ten Cel Carvalho, o Ten Cel Francisco Joaquim Pinto Pacca, Cmt do 7º Batalhão de Voluntários da Pátria, o Maj José Martini, Cmt do contingente do 14º Batalhão de Infantaria de linha e mais 100 voluntário da Côrte da Guarda Nacional, o Cap Francisco Antonio de Moura Cmt 1ª Bia/1º Btl Art a Pé, o Cap Basílio de Amorim Bezerra, Cmt do contingente do Btl Eng, o Cap Antonio Tiburcio Ferreira de Sousa, Cmt da Bia de Morteiros e no comando da Guarnição (19ª Brigada) o Ten Cel João Carlos de Villagran Cabrita. Totalizava o efetivo na ilha 900 homens prontos e treinados para o combate entre os mais aguerridos, salientando que eram apenas combatentes brasileiros.

 

 

Antes de amanhecer o dia, o terreno com escavações e sacos de areia estava praticamente pronto e a artilharia posicionada.

6 Abr

Os paraguaios foram surpreendidos, ao amanhecer o dia, vendo que a ilha – território pátrio estava ocupada e imediatamente, sob o Cmdo do Ten Cel José Eduvigis Diaz rompeu fogo do Forte Itapirú sobre a ilha, responderam-lhe os nossos, erguendo-se nesse momento pela primeira vez o estandarte brasileiro em território paraguaio. Coube ao Ten Cel Carvalho a honra de hasteá-lo.

 

 

7 Abr

O inimigo não se contentava com a ocupação da ilha, pois consideraram uma grande ousadia sob as abas da muralha de seu forte e continuou bombardeando e metralhando a tropa de Villagran.

Nesse dia nossa artilharia conseguiu destruir todos os merlões do forte e um canhão de 68 (canhão inglês de 68 libras de calibre). A bateria despediu 54 tiros.

8 Abr

A artilharia da ilha disparou 46 tiros e abriu uma grande brecha no forte.

Dois soldados mortos e dois feridos por tiros de fuzil entre os brasileiros.

9 Abr


Mais 54 tiros sobre as tropas paraguaios e o forte foi severamente atingido em outra posição.

O Gen Osório resolve trocar a guarnição da ilha, em face de já ter passado quatro dias sem praticamente dormir sob artilharia inimiga. Contudo Villagran pede para não ser substituída sua tropa até a vitória final e se mantém na ilha.

10 Abr

Reconheceu o inimigo a necessidade de desalojar-nos daquele reduto e de feito, às quatro horas da manhã enviou uma força de 1.200 homens e mais 186 praças de degoladores, em 50 canoas e partiram do Forte Itapirú dispostos a retomar a ilha a qualquer custo. O Plano: envolver a ilha pelos flancos e liquidar a guarnição. Os primeiros 400 homens, em 20 canoas desembarcaram sob o comando do Cap Juan Mateo Romero aos gritos de “viva o imperador do Brasil”, para confundir as tropas da ilha, dando a entender que eram desertores do exército de Solano López. O ardil não funcionou.

Villagran alertado por um dos vigias subiu às trincheiras e logo entendeu o plano paraguaio. Imediatamente encarregou da defesa de todo o flanco esquerdo ao Cap Tiburcio, mandou ocupar o centro os batalhões 14º de Linha e o 7º de Voluntários, e dirigiu-se ao flanco direito, de onde também observava o centro. O inimigo estava encoberto pelas sarças, além da escuridão. Fizeram fogo contra os brasileiros.

Vendo que a nossa artilharia não alcançava uma vantagem bem decidida sobre o inimigo, por não poderem acertar as pontarias, Villagran ordena uma carga de baionetas e 150 homens com baionetas e machadinhas do 7º de Voluntários, do 14º de Linha e do Batalhão de Engenheiros seguiram seu líder aos gritos: VIVA A NAÇÃO BRASILEIRA! VIVA O IMPERADOR! O combate tomou um aspecto medonho; com as armas em punho avançaram os nossos soldados e em breve o combate corpo-a-corpo teve início para surpresa do inimigo. Os brasileiros desejosos de conservar o posto militar que haviam ocupado, combatiam com tenacidade e heroísmo, não os detendo nem os gemidos dos feridos, nem o arquejar dos moribundos, nem os cadáveres daqueles que caiam em defesa da pátria. Ficou a terra ensopada de sangue dos soldados inimigos que, apesar de terem combatido com uma tenacidade indômita, tiveram que recuar, muitos se jogando no rio vindo a se afogar, e outros galgando as canoas, que eram metralhadas pela nossa defesa. Cabrita ordena tiros de canhão no ângulo direito da bateria da direita e dois tiros de metralha, cujo efeito foi imediato com a cessação do fogo inimigo.

Por volta das cinco da manhã já clareava o dia e a luta continuava quando o vapor Henrique Martins, sob o comando de Jeronymo Gonçalves tomou a iniciativa de se interpor entre a ilha e o forte Itapirú – abriu fogo contra as embarcações paraguaias e contra o forte, foi um alívio para a tropa de Cabrita que sem ele seria mais difícil a vitória. O Henrique Martins foi atingido por balas de canhão, no entanto seu habilidoso comandante sob muito bem manobrar o vapor para não ir a pique. Os comandantes dos vapores Greenhalgh e Chuy imitaram a manobra do Cmt Jeronymo e desbarataram completamente o inimigo, de sorte que se supõe que nem um só dos soldados paraguaios voltou ao seu acampamento.

Às seis horas estava o combate concluído; recolheram os nossos como troféus mais de setecentas espingardas com avultada munição, grande número de espadas e quatorze canoas.

O croqui abaixo, de autoria do General Freitas (palestrante do Simpósio) deixa claro que Villagran combateu em inferioridade numérica contra tropas de elite do exército paraguaio. A reserva do 25º Batalhão de Infantaria não pode ser empregada porque recebeu canoas sem os remos.

Deixou o inimigo no campo de batalha 640 mortos, 64 prisioneiros (apenas 16 ilesos) além dos afogados e os que pereceram nas canoas, mortos pela esquadra brasileira. Entre os prisioneiros o Capitão Juan Romero. Este, preso pelo Ten Cel Carvalho que o encontrou com mais quatro soldados o qual afirmou: “dos meus 400 homens restaram apenas esses 4; me entrego ao Império do Brasil!”

Entre os brasileiros:

Agenda: Bia – Bateria; Art – Artilharia; Btl – Batalhão; Inf – Infantaria; Maj – Major; Cap – Capitão; Ten – Tenente; Alf – Alferes; Cad - Cadete; Sgt – Sargento; Fur – Furriel; Cb – Cabo; Pç – Praça; Ansp – Anspeçada; Sd – Soldado
Fonte: parte oficial do combate do dia 10 Abr 1866 do Ten Cel Villagran Cabrita

 

Declarada a vitória, houve no acampamento um contentamento geral com brados de saudação e de júbilo. Villagran Cabrita e aqueles oficiais que mais se distinguiram eram vivamente aclamados e festejados pelos soldados, mesmo ainda ameaçados pelas baterias do Forte de Itapirú, subiam nas trincheiras e bradavam: VIVA A NAÇÃO BRASILEIRA!

Oficiais e praças portaram-se com denodo e valentia; entre todos, excedeu-se Villagran, cuja coragem e intrepidez não vacilou no transe mais arriscado do perigoso combate; apesar de ver cair morto junto a si o cabo Joaquim Francisco da Conceição e de ser ferido no rosto, continuou a se expor às balas, se recusando a ser levado para a retaguarda em face dos ferimentos sofrido.

O Ten Cel Pinto Pacca, Maj Martini, Cap Tiburcio, Cap Moura e o Cap Amorim pelejaram com extremado valor. O Cap Santos Camargo mostrou coragem e sangue frio ao enfrentar 400 homens com apenas 84 praças de sua guarnição avançada. O Cap Fortunato patenteou grande valentia em combate corpo-a-corpo com um oficial paraguaio, matando-o, ficando ferido em uma perna. O 2º Ten Mourão Pinheiro saltou a trincheira e à frente de alguns soldados repeliu o inimigo até o rio.       
O 2º Sgt Telesphoro foi o primeiro a atirar contra o inimigo e mesmo ferido continuou a bater-se nas trincheiras. O 2º Cad Antônio Joaquim Rodrigues Torres foi um dos mais corajosos e intrépidos nas horas de combate - “Morreu como um leão!”, lembrou Villagran pouco antes de ser atingido. O 1º Sgt Graça e Silva, Cb Rangel, Cb Azambuja e Cb Moura manifestaram decidida coragem principalmente em lutas corporais.

2º Cad Antônio Joaquim Rodrigues Torres

 

O RECONHECIMENTO

Gen Osório mandou um emissário cumprimentar Villagran pela vitória.


O combate fez o inimigo compreender que tinha de lutar com um povo forte e destemido. Foi uma das primeiras vitórias que ilustraram as armas do Império do Brasil.
Dirigindo-se em ordem do dia ao Ten Cel Pinto Pacca, disse o Cap Moura: ‘’É minha opinião inabalável que não houve nunca soldado que mais fizesse do que os da guarnição d’esta ilha; soldados que depois de quatro dias de bombardeamento vivo, suportando toda sorte de incommodos e privações, acabrunhados de fadigas, elevam tão alto a bandeira nacional, merecem toda a consideração e respeito dos seus concidadãos. Eu direi sempre com orgulho que comandei uma bateria no dia 10 de abril de 1866, na ilha de Itapirú’’.

Gen Osório

 

A MORTE DO HERÓI

Recolhendo-se a uma chata colocada entre a ilha e o nosso acampamento com o seu secretário o alferes Woolf, o ajudante Ten Carneiro da Cunha e Maj Sampaio, que em um pequeno vapor viera felicitá-lo pelo triunfo alcançado, redigia Villagran, inebriado de alegria, a ordem do dia que devia comemorar o feito que o imortalizara, quando uma granada disparada do forte, penetrou na chata e matou-o instantaneamente, decepou as pernas do alferes Woolf, despedaçou o corpo do Maj Sampaio e feriu gravemente no rosto e na cabeça o Ten Carneiro da Cunha, recolhido de imediato ao hospital de sangue (vapor Duque de Saxe), que depois de meses no hospital recuado em Corrientes sobreviveu à trágica hostilidade. Era por volta das doze horas da manhã. A Parte de Combate foi concluída pelo Cap Antonio Hermano d’Andrade Pinto, secretário do Gen Osório.

 

Gen Mitre, Presidente da Argentina e Cmt das Forças Aliadas, felicitou em Ordem do Dia às Armas Aliadas pelo glorioso triunfo escrevendo: “Honra e glória aos valentes da Ilha em frente ao Itapirú. Honra e gloria ao mallogrado tenente coronel Cabrita, que dirigio com tanto acerto como energia este brilhante feito de armas e succumbio no seu posto, escrevendo a parte da sua victoria, assim como, ao major Sampaio que o acompanhou nos seus perigos e na sua gloriosa morte”.

O comandante das tropas paraguaias, Marechal Solano López, logo que soube da morte do Comandante da ilha paraguaia ocupada ou por mostrar magnanimidade de caráter e sentimentos religiosos mandou celebrar uma missa no Passo da Pátria, com a presença obrigatória de todo o seu Estado-Maior e ido um elogio ao herói Villagran Cabrita.

A seguir registramos relatos de historiadores aliados e paraguaios que permitem avaliar o alto grau de eficiência da tropa liderada por Villagran.  Cabe aduzir que muitos oficiais que combateram na Ilha da Redenção tinham sido alunos na Escola Militar da Praia Vermelha e o admiravam pelo caráter e saber militar.

 

Relato de Palleja (coronel uruguaio e historiador)


“Con la franqueza que acostumbro, diré que todos, quién más, quién menos, nos hemos cebado em denigrar y tener em menos las tropas brasileras. Estas han probado lo contrario em el combate de hoy e cuentese que no se mando refuerzo alguno a la isla durante el combate; qui ni la esquadra, ni la bateria dispararam um solo tiro hasta que no fué de dia claro. El brasilero peleó con sus recursos contra la flor del ejército paraguayo; mandada por los comandantes más enérgicos y valientes” [...]


Relato de Dionísio Cerqueira


“Cessou o fogo. De quem seria a vitória? Houve um angustioso momento de ansiedade, de horrível incerteza. Súbito ouvimos os sons da alvorada festiva, que assinalava as nossas vitórias.
O Hino Nacional, vibrante, glorioso, arrebatou as nossas almas juvenis. Amanhecia. Obedecendo ao sentimento religioso que minha mãe me inoculara no coração, prostrei-me e rezei pelos nossos compatriotas heroicos, pelos valentes soldados do Ditador, adversários, irmanados no seio da morte, igualmente dignos da prece de um crente.
Abre-se um clarão na margem inimiga, ouve-se um rugido lúgubre, atroador, e Cabrita, Carneiro da Cunha, Woolf e Fernandes de Sampaio tombam despedaçados. Esta catástrofe nos acabrunhou.

Todos veneravam o tenente coronel Villagran Cabrita, sempre bom, austero e nobre.”

 

Relato da Revista Oficial do Centenário da Guerra Grande (Paraguaio)


“López se propuso desalijar á los brasileños, dando instrucciones para el efecto al teniente coronel José Eduvígis Díaz. En la madrugada del 10 de abril embarcó dos de estos cuerpos de 400 hombres em 29 canoas, lanzadolas contra el Banco, quedando el em Itapirú com el tercero cuerpo de reserva. La sorpresa no fúe posible trabándose una lucha cuerpo á cuerpo en que justo es decirlo: Los enemigos se batieron bizarramente. Rechazados unas veces, duenõs de una parte del campo otras, los paraguayos pelearan denodadamente.Viendo que amanecia y que nuestros esfuerzos no tenían êxito, depachó Díaz á la reserva, á las órdens de los tenientes Vera y Mateo Moral. Más todo fúe inútil...”

O magnífico feito de Cabrita contribuiu para iludir López quanto o verdadeiro local de desembarque e elevou o moral da tropa aliada em momento tão necessário, devido ao risco da operação anfíbia de tal envergadura e ao valor do inimigo.

  1. Informações de diversos paraguaios prisioneiros e publicação no periódico Semanário de Assumpção, dias depois da batalha da ilha
  2. “Guerra Grande” é como chamam os paraguaios a Guerra da Tríplice Aliança

SEPULTAMENTO

O Ten Cel Villagran Cabrita e o Alferes Woolf foram sepultados na margem esquerda do rio Paraná em frente à Ilha da Redenção; foram colocadas sobre seus jazigos algumas pedras para servirem de marco, mas as enchentes sucessivas do rio destruíram esses vestígios. Hoje não se sabe ao certo o lugar onde adormeceram do sono dos fortes esses heróis da Pátria.

 

150 anos depois – Jan 2016

11 a 18 de abril

Continuaram as trocas de tiros entre a guarnição da ilha e as posições paraguaias na margem direita do rio Paraná. A Armada aliada não deu trégua ao inimigo.

No dia 12 de abril foram fuzilados seis soldados brasileiros por abandonarem seus companheiros no glorioso combate do dia 10.

09:00 h de 18 de abril

Ao Ten Cel José Carlos de Carvalho, Chefe da Comissão de Engenheiros, lhe foi concedido a honra de mais uma vez hastear a Bandeira do Império Brasileiro em território paraguaio, desta vez sobre as ruínas do Forte Itapirú.

 

19 de abril

Chegada das tropas aliadas à margem direita do rio Paraná – local onde estava o acampamento das tropas paraguaias

 

CONSEQUÊNCIAS DO FEITO DE VILLAGRAN CABRITA

Ao vencer tropa mais numerosa, constituída com homens selecionados e que lutaram com a motivação de defender o solo pátrio invadido, os liderados por Cabrita demonstraram para os aliados e para o inimigo o valor do combatente brasileiro, a competência dos chefes e a integração da força terrestre com a esquadra.

A vitória elevou o moral dos integrantes do exército aliado na véspera da operação anfíbia para a invasão do território inimigo.

Ordem do Dia de 19 de maio de 1866: Concedeu ao Batalhão de Engenheiros o direito ao uso da Bandeira Nacional. Entregue por Osório no campos de Tuiuti.

Insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro. Concedida ao Batalhão de Engenheiros pelo
Imperador D. Pedro II. (Ordem do Dia de 28 de maio de 1866)

Estandarte de Guerra do Batalhão de Engenheiros com a Inscrição Redempção (VILAGRAN com um “L” – erro na confecção do estandarte original)

 

O Decreto-Lei nº 2.553, de 4 de abril de 1938, oficializa a Denominação Histórica de Batalhão Villagran Cabrita, que na ocasião era chamado de Batalhão de Transmissões.

O Decreto nº 51.429, de 13 de março de 1962, consagra o Tenente Coronel João Carlos de Villagran Cabrita, Patrono da Engenharia Militar Brasileira.

Em 13 Abr 1998, foi inaugurado o Memorial de Villagran Cabrita na praça em frente ao 1º Batalhão de Engenharia de Combate Escola – Batalhão Villagran Cabrita. Uma justa homenagem ao herói da Ilha da Redenção.

Interior do memorial Villagran Cabrita

 

Relato do historiador Pedro Calmon sobre Villagran Cabrita

“Ninguém superava na técnica e no espírito de ofício o indômito tenente-coronel Cabrita. Bruguez, prostrando Villagran Cabrita, criava o Patrono – daí por diante exaltado nos quartéis, e celebrado pelo patriotismo, como o exemplo e o guia: acima das vicissitudes históricas, o padrão do vigor moral, a quem o sacrifício sublima, na galeria dos brasileiros imperecíveis.”
(José Maria Bruguez – General paraguaio, comandante da artilharia, fuzilado por López em 1868)

A Fazenda Imperial (1º Batalhão de Engenharia de Combate Escola)

                “Santa Cruz começou a ser povoada em meados do século XVI. As terras faziam parte da antiga Sesmaria de Guaratiba, que foi desmembrada em nome de Martim Afonso de Souza, no dia 16 de janeiro de 1567, para contemplar Cristóvão Monteiro, que se considerou merecedor das terras por ter ajudado na fundação da cidade do Rio de Janeiro, combatendo contra índios e franceses.

Cristóvão Monteiro, que mais tarde seria ouvido-mor da Câmara do Rio de Janeiro, instala-se na região como o primeiro proprietário português das terras que tornariam a famosa Fazenda de Santa Cruz. Logo mandou construir um engenho e uma capela no local conhecido como "Curral Falso".

Com a morte de Monteiro as terras são herdadas por Dona Marquesa Ferreira, sua viúva e por Catarina Monteiro, sua filha.

Em dezembro de 1589, a parte que coube à Dona Marquesa passa a pertencer aos jesuítas mediante uma doação inter-vivos, como esmola aos padres de Santo Inácio, com um pedido especial de intercessão pelas almas do finado Cristóvão e da Própria Dona Marquesa

No ano seguinte, 1590, os padres conseguiam obter a parte de Catarina Monteiro, trocando por outras propriedades em Bertioga, no caminho de São Vicente, São Paulo. Este foi o início do povoamento de Santa Cruz, que começou com Cristóvão Monteiro e foi se consolidando com a efetiva ocupação do território pelos padres jesuítas, que expandiram a área da sesmaria adquirindo terras vizinhas até alcançar dez léguas quadradas. A fazenda ia de Sepetiba até Vassouras, abrangendo também o atual Município de Itaguaí”.

Condecorações concedidas ao Villagran Cabrita

 

Carreira Militar

                Praça: 13 Jan 1840; Alferes-Aluno: 02 Dez 1842; 2º Tenente: 11 Set 1843; 1º Tenente: 23 Jul 1844; Capitão: 30 Abr 1852; Major: 02 Dez 1862; Tenente-Coronel: 22 Jan 1866.

Homenagens Póstumas

            Villagran Cabrita recebeu várias homenagens em diversas cidades do Brasil, com as Câmaras de Vereadores, merecidamente aprovando seu nome em ruas, praças e escolas, com o fito de perpetuar a memória do herói da guerra do Paraguai. Alguns políticos, talvez por falta de informações mais precisas, sancionaram os projetos com o nome ou o posto do herói, com erros, o que não desmerece a justa homenagem.

Com o nome correto:

- Rua Villagran Cabrita – Vila Militar em Araguari-MG
- Rua Villagran Cabrita – bairro Tirol em Natal-RN
- Rua Villagran Cabrita – bairro Urupá em Ji-Paraná-RO
- Rua Villagran Cabrita – bairro Centro em Ji-Paraná-RO
- Rua Villagran Cabrita – bairro Casa Preta em Ji-Paraná-RO
- Rua Villagran Cabrita – bairro Saboeiro em Salvador-BA
- Rua Tenente Coronel Villagran Cabrita – bairro Álvaro Weyne em Fortaleza-CE
- Rua Tenente Coronel Villagran Cabrita – bairro Boqueirão em Curitiba-PR
- Rua Tenente Coronel Villagran Cabrita – bairro Alto Boqueirão em Curitiba-PR
- Rua Tenente Coronel Villagran Cabrita – bairro Independência em Resende-RJ
- Alameda Tenente Coronel Villagran Cabrita – bairro SMU (QGEx – acesso às garagens) em Brasília-DF

Com o posto incorreto:

- Rua Coronel Villagran Cabrita – bairro Partenon em Porto Alegre-RS
- Rua Coronel Villagran Cabrita – bairro COHAB em Recife-PE
- Rua Coronel Cabrita – bairro São Cristóvão no Rio de Janeiro-RJ
- Rua Coronel Cabrita – bairro Centro em Alegrete-RS
- Rua Coronel Cabrita – bairro Jardim da Glória em São Paulo-SP

Com o nome incorreto:

- Praça Vilagran Cabrita – bairro Treze de Maio em João Pessoa-PB
- Praça Vilagran Cabrita – bairro Santa Cruz no Rio de Janeiro-RJ
- Rua Vilagra Cabrita – bairro Parada Angélica em Duque de Caxias-RJ
- Rua Vilagram Cabrita – bairro São Geraldo em Volta Redonda-RJ

Escola com o nome correto:

- Escola Municipal de Ensino Fundamental Tenente Coronel João Carlos de Villagran Cabrita – Rua Alferes Antônio Fontoura, bairro Santo Onofre em Viamão-RS

Escola com o nome e/ou posto incorreto:

- Escola Municipal de Ensino Fundamental Coronel João Carlos de Vilagran Cabrita – Rua Castro Alves, 220, bairro Maringá em Alvorada-RS
- Escola Municipal de Ensino Fundamental Tenente Coronel João Carlos de Vilagran Cabrita – Avenida Comissão Crulls, 35, bairro Brasília em Araguari-MG
- Escola Estadual Vilagran Cabrita – Vila Brasil, s/n, bairro Penedo em Caicó-RN
- Escola Vilagran Cabrita – Avenida Rogério Weber, 1, bairro Tupi em Porto Velho-RO

Fontes

- “Revista Trimensal do Instituto Historico, Geografico e Ethnographico do Brasil”, Tomo XXXIII, Parte Segunda – O Combate da Ilha do Cabrita - Memória lida em 8 Out 1869. Editora B. L. Garnier – Rio de Janeiro, 1870
Documentos e relatos bases da memória:
Ordens do dia -
Ten Cel João Carlos de Villagran Cabrita
Ten Cel Francisco Joaquim Pinto Pacca
Cap Antonio Tiburcio Ferreira de Sousa
Cap Basílio de Amorim Bezerra
Cap Francisco Antonio de Moura
Relatório do Ministério da Marinha Imperial
Relatos do Cap Francisco Antonio Carneiro da Cunha (Tenente à época do combate da Ilha da Redenção)

- “Chonica nº 2 – Principaes Acontecimentos Concernentes à Actual Guerra do Paraguay” (2º Anno), Segunda Parte – Janeiro a Junho de 1866 – Rio de Janeiro, 1866

- Jornal “A Constituição”- Anno III, nº 87, de 9 de maio de 1866

- “Tratado de la Triple Alianza contra Paraguay”, de 1° de mayo de 1865

- Cerqueira, Dionísio. “Reminiscências da Campanha do Paraguai: 1865-1870”. Editora Biblioteca do Exército - Rio de Janeiro, 1980

- Duarte, General Paulo de Queiroz. “Os Voluntários da Pátria na Guerra do Paraguai: o Comando de Osório”. v.2. Tomo I. Editora Biblioteca do Exército - Rio de Janeiro, 1982.

- “Guerra do Paraguay” – G. G. Jourdan – João G. de Azevedo Barretto. Typographia de Laemmert & C. – Rio de Janeiro, 1890 – Brasilana Digital-USP.
- http://www.buscacep.correios.com.br/sistemas/buscacep/

Brasília-DF, 2 de maio de 2015
Luciano Rocha Silveira – Cel Ref PTTC do DEC

 

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