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  Chapéu Bandeirante  
 

Chapéu Bandeirante - Um Símbolo

 

A humanidade, desde sua gênese, usa os símbolos para a comunicação. A letra é símbolo, o número é símbolo, a bandeira é símbolo... Infinitos são os símbolos. Infinitas são suas aplicações entre os homens, particularmente entre os exércitos. A etimologia é extensa. O estudo de símbolos é extenso e profundo. Hoje tal estudo faz parte da semiótica. O "significado" também é longo e, para o texto, adota-se aqui este: – "símbolos são signos com forte introjeção filosófica".

No Exército Brasileiro têm-se inúmeros símbolos. Também variados distintivos. Estes, de mais visibilidade, são os das Armas e Serviços. São apenas figurativos e artísticos, mas todos de fáceis leituras por quem é militar inativo ou na ativa.

Entretanto, algumas armas possuem símbolos, somados aos distintivos, com fortes cargas aglutinadoras entre a arma e seus componentes humanos. E esses veículos aglutinadores são catalisadores que ajustam a incorporação da personalidade da arma ao militar. A personalidade da arma e a introjeção dela pelo militar é que forma o ente imaterial que se conhece como Espírito de Corpo.

Na Cavalaria tem-se o cavalo. É um símbolo real, vivo, transportável, palpável e interativo; há intensa relação homem – animal.

Na Infantaria, o fuzil que, embora inerte (não vivo), é real, portátil, palpável e também interativo; há intensa relação homem-material.

Na Artilharia, o canhão é também real, transportável, palpável, inerte e bem menos interativo. Há grande relação homem-material.

Na Engenharia tem-se o Chapéu dos Bandeirantes ou, apenas, Chapéu Bandeirante. É real, inerte, interativo e, o que tem de melhor, além de palpável, é portátil diuturnamente por peça de uniforme. Há completa relação homem-material.

A melhor nomenclatura é "Chapéu Bandeirante". A nomeação "chapéu tropical" foi usada pela tropa da FEB. O chapéu tinha um formato arredondado. O nome regulamentar era "capacete de lona". Os soldados o chamavam-no de Zé Carioca[], em alusão ao personagem de Walt Disney. O chapéu de brim foi levado para Itália, mas utilizado bem pouco e apenas no início. (Fig 1)


Zé Carioca é  um personagem criado em 1941 pelos Estúdios Disney e encarna a Política de Boa Vizinhança dos Estados Unidos com o Brasil, em busca de apoio, de influência e de mais um aliado durante a Segunda Guerra Mundial.
 

Atualmente, as unidades de Selva e o CIGS (Centro de Instrução de Guerra na Selva) usam "chapéu tropical," camuflado, semelhante ao Zé Carioca, e o chamam apenas de "chapéu de selva” (Fig 2).

Pelo formato e pela construção, o da Arma de Engenharia é singular e tem o batismo de Chapéu Bandeirante tanto pelo simbolismo quanto pelo formato. Simbolicamente, trás a filosofia estoica, do chipriota Zenão de Cítio (333 a.C. —  263 a.C.), onde o dever, a ética, a resignação faz parte do destino e tem prevalência sobre a própria vida.

A concepção e adoção do chapéu, pela engenharia, surgiram no 5º BEC quando da sua instalação em Porto Velho no ano de 1966.

Segundo o que consta no livro do General Tibério Kimmel de Macedo (Eles não Viveram em Vão – Edições EST – 2003), a inspiração para o uso do chapéu se deu na "visita de um grupo de engenheiros da BakerWibberley & Associates, Inc Consulting Engineers, dos Estados Unidos da América do Norte que se encontrava na Amazônia fazendo levantamento para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)" em 18 de maio de 1966 - (pag 202);

                “Integravam a comitiva da Consultora os engenheiros Harold E. Wibberley, Presidente da consultora; William P. Kees, T. Justo Chamas e Roy Hunt, os três últimos técnicos da consultora. Tratava-se de uma firma de Maryland, com sua sede na cidade de Hagerstown — o seu ‘Headquarters’, como diziam os americanos. (pág 204);

1. Zé Carioca é  um personagem criado em 1941 pelos Estúdios Disney e encarna a Política de Boa Vizinhança dos Estados Unidos com o Brasil, em busca de apoio, de influência e de mais um aliado durante a Segunda Guerra Mundial.

“O engenheiro Kits (sic) trazia um chapéu de selva usado por ele no seu turno no Vietnam, chapéu que, doado ao Ten Cel Weber, serviu de modelo para o chapéu de selva que o BECnst adotou no seu uniforme e, mais tarde, o Exército Brasileiro adotaria como item de seu uniforme no início da década de 90.” (pág 204);

“O chapéu doado pelo Eng Kits (sic) tinha o formato característico como uma copa um tanto pontuda e aba curta, pouco mais que quatro dedos. Sua grande valia estava em um mosquiteiro para o rosto que vinha costurado ao forro da copa do chapéu. O chapéu do Batalhão não teve este mosquiteiro e foi preciso improvisar, mais tarde, quando o pessoal foi trabalhar no Jacy-Paraná e, mais para o oeste, rumo ao Acre.” (pág 204);

O chapéu foi adotado e usado, experimentalmente a partir de 13 de julho de 1967, como se lê no recorte abaixo do Registro Histórico da unidade, tomo V Assuntos Diversos – Folha 3. Portanto a data oficial de criação é 13 de julho de 1967. Assim, em 13 de julho de 2017 o Chapéu Bandeirante estará completando o Jubileu de Ouro, ou o seu cinquentenário de uso. ( Fig – 3)

É possível se deduzir algumas ações e ou acontecimentos. A primeira deduzida é a de que, à primeira vista, as intenções do uso do chapéu eram: proteção do sol  escaldante e proteção contra insetos, estes de tantas espécies na Amazônia.

A segunda deduzida é que o chapéu passou a ser usado no batalhão, como cobertura militar, mas apenas na zona de ação e sede do batalhão. Tal ilação se dá pelo texto do recorte "título experimental" e ainda apoiado no livro do General Tibério, à página 188, (Fig 4). Embora o registro no livro dê o mês e ano como o de julho de 1966, a data correta da fotografia do livro deveria ser o ano de 1967. Nela se vê militares executando limpeza em praça da cidade, trajando o Chapéu Bandeirante.

O Chapéu Bandeirante foi usado pela primeira vez, fora da zona de ação do Batalhão, em São Paulo. Sob às ordens do então Capitão de Engenharia Pastor (Fig 5) foram à São Paulo, militares e civis, com a missão de transportar “Moto-scrapers” recém adquiridas, pelo 5º BEC. Transporte em comboio, via rodoviária, de São Paulo à Porto Velho. Em todas as Unidades militares em que se apoiavam, ao longo das rodovias que passavam, mostravam para o Exército e para o Brasil a nova peça do uniforme dos militares de Engenharia – O Chapéu Bandeirante. Nascia uma nova estrela a compor o uniforme dos "Novos Bandeirantes".

A terceira deduzida é que o Chapéu foi usado no início por soldados e civis. Talvez isso tenha inspirado o Capitão Pastor a compor a letra da Canção do 5º BEC grafado na estrofe que diz: "E juntos iremos / Na nossa missão / Civis e soldados / Mostrando a força da união / E a pátria agradecida vai / A todo esse trabalho enaltecer,"... (negrito do autor deste ensaio). Atesta esta dedução, a fotografia oficial, certificada pelo Carimbo da Diretoria de Comunicações - Serviço Cine-Foto do Ministério da Guerra (Fig 6), onde aparece, os Srs. Almério e Edson, operadores portando o chapéu (pág 945 do livro do General Tibério).

2. Na mesma página 204, o autor do livro transcreve uma carta de Harold E. Wibberley, chefe da comitiva americana onde este grafa William P. Kees. (Nota do autor do artigo).
3. Canção do 5° BEC - Letra: Cap Pastor, música: Panzerlied

 

A quarta deduzida é a do simbolismo. Pelo enciclopedismo intelectual que tinha, debito ao Tenente-Coronel Weber, então comandante do 5º BEC esta adoção simbólica. O formato final, para o 5º BEC foi inspirado, no modelo chapéu de Domingos Jorge Velho, tela de Benedito Calixto, 1903, com 140x100 cm, pertencente ao acervo do Museu Paulista. (Fig 7). É provável que os demais bandeirantes dos séculos XVI-XVII usassem tal indumentária também. E é certeza que nenhuma tropa, dos anos sessenta, usasse tal modelo.

O formato concebido pelo 5º BEC tem aba mais larga que a altura da copa e com a aba direita dobrada sobre a copa e aí fixada. Isto, para facilitar a continência individual. (Fig 8).

No momento da adoção do chapéu, a Engenharia do Exército era desafiada a participar ativamente do desenvolvimento do Brasil. Não era apenas uma peça do uniforme. Era a adoção de um símbolo, por definição, voltado para o desenvolvimento do país.

O simbolismo buscou resgatar, comparativamente, o elevado sacrifício passado pelos bandeirantes e pelos enormes sacrifícios que se deslumbravam nas ações dos militares de Engenharia, embrenhados nas lides estradeiras na Amazônia. Em tempos diferentes, mas com desafios iguais. Em tempos diferentes, mas com determinação, denodos e exigências iguais a atuais.

Honrando o passado, os bandeirantes do século XX verteriam seu suor que purificariam seus corpos no cadinho calorento da Amazônia. Com resistência à fadiga venceram desconfortos, sublimaram cansaços desafiaram perigos; com rusticidade, venceram os ataques incessantes e diuturnos dos insetos hematófagos a levar qualquer ente à insanidade. Como os bandeirantes, uniriam céus e terras amazônicos ao restante do solo brasileiro e resgataram o amazônidas devolvendo-lhes a certeza de serem brasileiros reais e não apenas formais, em documentos. Como os bandeirantes que atropelaram e romperam a Linha de Tordesilhas e levaram o horizonte brasileiro para oeste, assim os novos bandeirantes romperiam a linha do isolamento, atropelaria a miséria e a desassistência do Estado a milhares de brasileiros.

À sombra do chapéu, milhares de quilômetros de rodovias foram abertas; imensas quantidades de moradias e instalações foram construídas. Mas o mais importante: alimentariam infinitas esperanças por saber que vindo com os militares viriam fios de esperança no desenvolvimento daquelas terras; esperança de melhores dias para os descendentes de incógnitos guardiões seculares daquelas plagas quer seja pescador, seringueiro, nativos ou garimpeiro.

O chapéu altaneiro com seu barbicacho, acintosamente aparecendo, provocava, em muitos, emoções mistas: a primeira, a de orgulho, por saber que o portador, daquela peça de uniforme que parecia mais joia de adorno, era um bravo; e a segunda, de inveja sadia, por saber que para merecê-lo teria que, antes, ter optado para ser um militar de Engenharia. As exigências para um militar de Engenharia são como as monásticas cistercienses: vocação extremada, dedicação absoluta, obra de qualidade científica; desapego a reconhecimento fútil. Uma alma de estoico com o comportamento da Ordem de Cister.

A cada Unidade de Engenharia, que se criava, era mais homenagens silentes e anônimas para os homens com espíritos dos: Borba Gato, Fernão Dias, Pascoal Moreira e, em particular, a Raposo Tavares (Fig 9) que, ao percorrer o Rio Paraguai, Guaporé, Madeira e Amazonas, entre 1648 a 1651, percorreu 12 mil quilômetros de São Paulo à região de Gurupá, no atual Pará. Apenas antecedeu o 5º BEC por 318 anos.

Com a consolidação da integração da Amazônia, o mesmo chapéu foi adotado por todas as unidades de Engenharia do Exército que tivesse como missão o desenvolvimento e ou o socorro a brasileiros. Assim, o Chapéu Bandeirante reforça com seu simbolismo a filosofia das Unidades do Nordeste e dos Batalhões Ferroviários.

4. Como complemento: na "continência individual", com chapéu bandeirante, o dedo médio da mão direita toca no botão que prende a aba à copa do chapéu, como se fazia com o antigo "capacete de fibra". Isto não está nos regulamentos de continência, mas foi adotado no 5º BEC no início dos anos setenta do século passado.

 

A oficialização do chapéu se deu com as legislações de adoção e modificação dos diferentes uniformes do Exército e como tal evoluindo até hoje. As primeiras referências são:

Primeira referência: - Regulamento de Uniformes do Pessoal do Exército – RUPE - Dec 30.163, de 13 de novembro de 1951; Modificado pela Portaria nº 61-GB, de 31 de janeiro de 1969:

“1. PEÇAS COMPLEMENTARES
...
b. Chapéu tropical (Fig. 2 – [Fig 8 do presente ensaio])
Usada por oficial e praça, com o 6º uniforme, nas Unidades de Engenharia de Construção, Rodoviárias e Ferroviárias, nos locais de trabalho.”
“...
3. DESCRIÇÃO DAS PEÇAS DE FARDAMENTO
...
b. Chapéu tropical (Fig. 2 - [Fig 8 do presente ensaio])
De brim lona côr verde oliva escuro, impermeabilizado. Copa formada de quatro gomos. Lateralmente, quatro ilhoses de alumínio, dois de cada lado, intervalados de 40 mm, para ventilação. No lado direito, entre os ilhoses, um botão de pressão (macho) para fixação da aba à copa.
Cinta com 25 mm de largura, sobreposta à base da copa. Aba dupla com 100 mm de largura, debruada de 5 mm, do mesmo tecido, em tôda borda. Do lado direito, um botão de pressão (fêmea) para fixação da aba à copa.
Carneira com 40 mm de largura, de couro de porco marram.

Jugular do mesmo tecido do chapéu, dupla, com 10 mm de largura e 800 mm de comprimento, costurada em ambas as pontas sob a carneira e ajustada ao queixo do militar por nó simples...”

Segunda referência: - Dec nº 67.042, de 12 de agosto de 1970 - R/124 (RUE):


Classificação e uso das peças complementares
Art. 49
...
18. Chapéu tropical. (Fig. 164 - [Fig 8 do presente ensaio])
Usado por Oficial e Praça, com o 6º Uniforme, nas Unidades de Engenharia de Construção, Rodoviárias, Ferroviárias e do Serviço Geográfico do Exército, nos locaisde trabalho.”
                A mística do chapéu se fortaleceu e ecoou nas gerações de oficiais de Engenharia do Exército, nos bancos da Academia Militar das Agulhas Negras, dos anos setenta. Se tornou um lema para a Arma Azul Turquesa, o brado a todo o pulmão, que enche de orgulho os portadores do castelo: "Do bandeirante ao engenheiro o mesmo espírito pioneiro". Uma bela síntese da personalidade da Arma, da filosofia de seus integrantes e do simbolismo de seu potente ícone: o CHAPÉU BANDEIRANTE.

João Pessoa, terça-feira, 2 de fevereiro de 2016 18:03:27
Higino Veiga Macedo – Cel Eng

 

Adaptação: Luciano Rocha Silveira – Cel Ref PTTC do DEC

 

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